Tupi or not tupi? - Coluna Extra

sexta-feira, 11 de março de 2005

Tupi or not tupi?

Dia desses reparei, parado naquela sinaleira da Trompowski com a Bocaiúva, reparei na placa de um estabelecimento comercial ali perto e comecei a rir sozinho do que estava escrito: “hair company”. Na hora, lembrei das aulas de marketing (das discussões sobre nomes para produtos e serviços) e da boa e velha discussão sobre o uso e o abuso de “estrangeirismo”. O “hair company” (empresa do cabelo?) é até engraçado, exagerado, é verdade, mas engraçado. Pior são essas placas de “off” (????) que se espalham pelas vitrines.
No embalo do “hair company”, lembrei de uma entrevista exclusiva que fiz e publiquei na newsletter (ops!) ALEX INFORMA, que produzi e distribui por e-mail para cerca de 500 assinantes entre 2000 e 2001. A entrevista é com o atual ministro da coordenação política do Governo Lula, Aldo Rebelo, na época notório por presidir a CPI da Nike/CBF, mas também por ser o autor do projeto de defesa do idioma nacional. Na entrevista, Rebelo avalia a questão proposta por seu projeto sob o ponto de vista do marketing, área que por si só é campeã no uso de “estrangeirismo”.

Reproduzo abaixo a entrevista publicada originalmente em 19 de fevereiro de 2001.

ALEX INFORMA - A que o senhor atribui o uso de palavras e expressões estrangeiras por empresários brasileiros?

ALDO REBELO - Em um mercado disputado como o nosso, tanto internamente como no relacionamento comercial com outros países, a concorrência exige dos empresários a capacidade de oferecer ao cliente um elemento diferencial, ou seja, um “algo mais” capaz de levar o consumidor ao ato do consumo. Podemos dizer que o idioma é muitas vezes usado como tal. Para chamar a atenção do cliente e mostrar como determinado produto ou serviço é peculiar e atraente, o empresário muitas vezes usa como apelo o estrangeirismo. Isso acontece de forma às vezes exagerada e desnecessária. Sabemos que a influência de outros idiomas sobre o português sempre aconteceu e continuará acontecendo, mas a velocidade com que isso ocorre hoje chega a dificultar a comunicação. Os brasileiros precisam conhecer melhor a nossa língua, pois sabemos que o idioma é o modo mais eficiente, apesar de geralmente lento, para a imposição de valores, tradições e costumes, inclusive modelos socioeconômicos e regimes políticos por parte de países que se julguem superiores a outros. Na minha opinião, as relações internacionais e o intercâmbio comercial devem se pautar pela igualdade e isso não é o que observamos hoje na relação entre os idiomas.

ALEX INFORMA - O que prevê seu projeto de defesa da língua portuguesa? O que o levou a apresentar o projeto?

REBELO - O projeto prevê a valorização, a proteção e a defesa da língua portuguesa, bem como procura definir seu uso em certos domínios socioculturais. A proposta foi elaborada a partir da observação da presença exagerada e desnecessária de palavras e expressões estrangeiras no nosso cotidiano. Devo ressaltar que o projeto não quer proibir o uso dos estrangeirismos, mas sim o abuso deles. A substituição de palavras e expressões poderá provocar uma verdadeira descaracterização do nosso idioma. Por essa razão eu apresentei o projeto, ou seja, procurei trazer o tema ao debate para que a sociedade possa melhor conhecer e preservar esse bem cultural inestimável que é a língua portuguesa.

ALEX INFORMA - O senhor acredita na aprovação do projeto? Por quê?

REBELO - Acredito na aprovação por várias razões. Primeiro porque a proposta teve início a partir de uma consulta que fiz a entidades comunitárias, professores universitários, estudantes de todos os níveis e ainda as conversas nas ruas com usuários do idioma de todas as idades e classes sociais em todo o Brasil. Minhas preocupações encontraram boa acolhida e resolvi então elaborar e apresentar o projeto, o que aconteceu em setembro de 1999. Daquela data até hoje tenho recebido semanalmente dezenas de cartas de apoio. Esse retorno favorável vem também de entidades como a Academia Brasileira de Letras, a Associação Brasileira de Imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil, de universidades, entidades profissionais, sindicais e estudantis. Tivemos ainda a satisfação de ver criado um espaço de debates na internet. É o Movimento Nacional de Defesa da Língua Portuguesa.

ALEX INFORMA - Qual tem sido a reação dos profissionais de marketing e publicidade?

REBELO - Formalmente ainda não recebemos manifestações por parte dos publicitários. Acredito que eles, assim como todos os profissionais que usam o idioma como instrumento de trabalho, poderão melhor conhecer e abusar dos cerca de 15 mil verbos e mais de 350 mil palavras que compõem a língua portuguesa. Criatividade e inteligência não faltam ao nosso povo. Mesmo porque os estrangeirismos não serão proibidos terminantemente e a regulamentação da lei será feita com critério. O próprio projeto é generoso quanto às exceções. O § 1º do artigo 3º é bem claro:
“Não se aplica a situações que decorram da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, nos termos dos incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição Federal. E ainda: “a comunicações e informações destinadas a estrangeiros, no Brasil ou no exterior”; “a membros de comunidades indígenas nacionais”; “ao ensino e à aprendizagem de línguas estrangeiras”; “a palavras e expressões em língua estrangeira consagradas pelo uso, registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”, e “a palavras e expressões em língua estrangeira que decorram de razão social, marca ou patente legalmente constituída”.

ALEX INFORMA - Como ficam as empresas que já usam nome estrangeiro? Terão de mudar ou o seu projeto só vale para novos negócios? E as empresas estrangeiras, como as franquias, por exemplo, precisarão mudar de nome?

REBELO - De acordo com o projeto, os nomes próprios atuais e futuros, tanto de pessoas físicas como jurídicas, não serão alterados.

ALEX INFORMA - Como o senhor avalia áreas como informática e marketing onde a terminologia é completamente dominada por palavras e expressões estrangeiras, sobretudo o inglês? O senhor acredita numa mudança total?

REBELO - A nossa idéia é o aportuguesamento dos termos, mas isso nem sempre será possível em áreas de tecnologia e das ciências. Os termos sem equivalência permanecerão inalterados. Não temos como objetivo complicar a comunicação em qualquer ramo de atividade, seja econômico, político ou social.

ALEX INFORMA - Projetos semelhantes ao seu, de defesa do idioma, já foram ou são aplicados em outros países? E qual o resultado?

REBELO - Sim. Na França, em 1975, foi aprovada a Lei nº 75.1349, substituída pela Lei nº 94.665, em 1994. Os franceses foram mais rígidos se compararmos aquela legislação com a nossa proposta. A Lei define a língua francesa como “um elemento fundamental da personalidade e do patrimônio da França”. Lá tudo é traduzido ou adaptado. Mesmo os Estados Unidos protegem o idioma. Na Califórnia foi proibido o ensino do espanhol nas escolas, mas eu seria contra uma atitude como essa no Brasil. Penso que é importante falarmos bem o português assim como outros idiomas, sem xenofobia, buscando um relacionamento fraterno e equilibrado com qualquer outro país. A busca desse equilíbrio beneficia a todos para uma melhor compreensão da identidade e dos valores culturais de parte a parte, tendo como resultado a autonomia e a independência nas relações econômicas, políticas, culturais e sociais.

Para saber o trâmite do projeto, clique aqui.

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