“Aproveita que você é jornalista” - Coluna Extra

quarta-feira, 4 de agosto de 2004

“Aproveita que você é jornalista”

Já ouvi algumas considerações inusitadas a respeito da profissão de jornalista. Algumas são engraçadas. Outras, nem tanto.
A pior ocorreu na emergência do Hospital Infantil Joana de Gusmão. Vitor, meu filho, era nenem, tinha uns 2, 3 anos. Ele nasceu com refluxo e sempre precisou de cuidados, inclusive no momento de exames de garganta, por exemplo. Eu e a mãe dele sempre alertávamos os médicos para que não usassem aquele palito para não provocar ânsia de vômito.
Numa noite, ele estava com febre e o levamos ao Joana de Gusmão. Havia uma médica de plantão. Fomos chamados, falamos o que estava acontecendo com ele e alertamos para a questão do refluxo. Em vão. Assim que o Vitor foi colocado na cama do consultório, a médica passou a examiná-lo, utilizando um daqueles palitos. Isso provocou a ânsia e o vômito, o que provocou a irritação no esôfago. Vitor ficou agoniado de tanto chorar. Aos prantos. Roxo.
Fiquei puto com a ignorância da médica. Sai do consultório e fui direto na recepção. E disse o seguinte:

- Quero saber se tem outro médico de plantão porque aquela ignorante de roupa branca está maltratando o meu filho.

A recepcionista disse que não havia outro médico. Nisso perguntei se havia alguém da direção do hospital. Ela respondeu que somente no dia seguinte eu poderia falar com o doutor Fulano, diretor-geral. Sem uma solução, esbravejei alguma coisa e fui saindo. Nisso ouvi um “incentivo” que doeu nos meus ouvidos:

- Vem aqui amanhã falar com o diretor. Aproveita que você é jornalista.

Esse “aproveita que você é jornalista” me incomoda até hoje. Não fui no outro dia. Mas fiquei pensando no que aquela recepcionista havia dito. E se eu não fosse jornalista? O comentário não teve um tom irônico. Teve mesmo um tom de incentivo. Tipo: “use o poder que você tem para resolver o problema”. Fiquei mal ao ouvir aquilo. Eu estava ali naquela emergência como pai, como cidadão. Isso já não seria garantia de respeito?

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