Túnel do tempo - Coluna Extra

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Túnel do tempo

No ano 2000, deixei a edição-executiva da revista Dirigente Lojista para assumir a mesma função na retomada da revista Jovem Empreendedor, também editada pela Editora Empreendedor. Infelizmente, o projeto de tornar a revista (que era semestral) em mensal não vingou e apenas duas edições mensais foram lançadas. Morreu em novembro daquele ano. Há cinco anos, portanto. Ainda assim, esse é o projeto que considero um dos mais importantes da minha carreira por todo o envolvimento que tive como editor-executivo, mas especialmente pela linha editorial que optamos por seguir tendo a criatividade como mote principal. E nessa linha, cabiam reportagens como a que reproduzo abaixo, publicada na edição de agosto de 2000, a primeira da retomada, e que destaca os ingredientes empreendedores no trabalho da banda mineira Pato Fu. É primeira vez que é reproduzida na internet. Espero que gostem.

Sucesso à mineira
Com cinco discos lançados e uma legião fiel de fãs, os mineiros do Pato Fu percorrem o caminho do sucesso sem pressa, mas com estilo, autonomia e muita criatividade

por Alexandre Gonçalves

A banda mineira Pato Fu, mesmo tendo sua própria produtora, não é uma empresa na concepção da palavra. Mas é como se fosse, já que na trajetória de Fernanda Takai, John Daniel, Ricardo Koctus e Xande Tamietti é possível enumerar muitos elementos típicos de qualquer negócio, como autogestão, criatividade, tecnologia, trabalho de equipe, entre outros. No entanto, seria uma comparação fácil de se fazer, não fosse por um pequeno detalhe: o Pato Fu produz música com humor e poesia, que, como toda manifestação artística, depende (e muito) de critérios subjetivos e está sujeita a todo tipo de crítica. Tanto é assim que, no início, a banda acabou sendo rotulada, de forma pejorativa, como “esquisita”, “engraçadinha” ou ainda “cópia dos Mutantes”. Ou seja, o Pato Fu tinha tudo para dar errado. Mas não deu.
Fernanda, John, Ricardo e Xande já estão no seu quinto disco, Isopor, lançado no final do ano passado e que em menos de dois meses já havia dado ao grupo seu segundo disco de ouro (equivalente a 100 mil cópias vendidas). O CD também abriu as portas para o mercado estrangeiro, com lançamentos previstos para acontecer ainda este ano em Portugal, França e Espanha. “A gente foi evoluindo com a idéia de nos tornarmos ‘melhores’ e, de uma certa forma, isso nos tornou mais ‘acessíveis’”, teoriza John. “É ótimo, porque continuamos fazendo exatamente aquilo que queremos, sem concessões, o que é um privilégio raro!”, festeja o músico.

Guitar Shop
O Pato Fu saiu da casca em 1992. A banda é derivada de uma outra, a Sustados por Um Gesto, formada por John, o amigo Bob Faria e, mais tarde, Fernanda Takai, convidada para cantar e tocar violão. Na época, John tinha dupla jornada. Além da banda, o músico, que já tinha no currículo uma longa carreira como guitarrista da banda Sexo Explicíto, sendo eleito inclusive o melhor guitarrista do Brasil pela revista Showbizz, havia se tornado sócio da Guitar Shop, loja de instrumentos musicais em Belo Horizonte. “Era uma alternativa de vida razoável, já que eu não estava conseguindo viver de música. Passei a viver ‘dos músicos’ que compravam lá”, diverte-se o guitarrista, que mesmo sendo do ramo aprendeu uma lição importante com a experiência no varejo: “Acho que afinidade com o ramo é só o começo. Precisa ter ‘tino comercial’ também”, lembra.
Ainda em 1992, o trio formado por John, Bob e Fernanda passa por uma série de reformulações. Bob Faria deixa a banda e é substituído pelo baixista Ricardo Koctus, funcionário de John na Guitar Shop. O nome da banda também muda: sai Sustados por Um Gesto, entra Pato Fu , mais simples, mais direto (nome inspirado numa tirinha do gato Garfield). Desde o início, o trabalho da banda se caracterizou pelo uso de componentes eletrônicos – uma necessidade, já que na época a banda não contava com bateristas, optando por utilizar seqüenciadores e baterias eletrônicas para essa função.
Essa formação pouco usual para as bandas de rock no Brasil – sem baterista e com o uso de muitos apetrechos tecnológicos – já diferenciava o Pato Fu das demais e indicava o caminho trilhado pela banda até hoje de lidar com múltiplas sonoridades. “Acho que multiplicidade de estilos e influências é a principal característica no trabalho do Pato Fu”, avalia John, responsável pela maioria das composições e arranjos. “E consistência para o trabalho durar muito tempo, pois temos interesse em uma carreira longa”, confirma.
Da mesma forma, a banda se mantém antenada quanto às novas tecnologias ao longo do processo de criação e produção de um novo trabalho. “A diferença no uso da tecnologia no começo para hoje é brutal. Hoje em dia eu praticamente gravo meus discos em casa. Não porque eu tenha um estúdio monstruoso, mas porque os estúdios não precisam mais ser monstruosos”, explica o guitarrista. “E estamos muito mais atualizados com o resto do mundo”, completa.

Rotomusic
Com John, Fernanda e Ricardo, o Pato Fu passou a freqüentar os circuitos de shows de Minas Gerais. E mesmo com pouco tempo de estrada juntos, em 1993, o trio estréia no mercado fonográfico com o lançamento de seu primeiro disco Rotomusic de Liquidificapum, lançado inicialmente em vinil e depois em CD pelo selo independente mineiro Cogumelo. Com um nome “excêntrico”, mas que de certo modo representa a mulplicidade a que se referiu John, o CD esbarrou nas deficiências de todo selo independente, que não tem a máquina das grandes gravadoras por trás e, por isso, teve sua divulgação e distribuição prejudicadas. Ainda assim, a banda conseguiu romper as fronteiras de Minas, realizando shows no eixo Rio–São Paulo, em Brasília e em algumas capitais do Nordeste.
No ano seguinte, o Pato Fu começa a despontar nacionalmente – graças em parte aos videoclipes produzidos pela banda, que tiveram boa repercussão e exibição na MTV brasileira. A estratégia desenvolvida pela banda deu resultado e, em 1995, o Pato Fu lança seu segundo CD, Gol de Quem?, o primeiro com o selo Plug, o “departamento” criado pela multinacional BMG para cuidar de bandas de rock brasileiras. Com uma estrutura melhor por trás, a banda dá seus primeiros passos rumo ao sucesso de público, emplacando as músicas “Sobre o tempo” e “Qualquer bobagem”, além de abocanhar o prêmio de revelação no 1º Vídeo Music Awards, promovido pela MTV brasileira.
Nesse período, o baixista Ricardo Koctus era quem se encarregava do papel de empresário da banda. “Era por falta de alguém para o cargo. O empresário ‘sério’ é uma figura muito rara no meio musical”, aponta John. “Assim que encontramos um, fizemos dele nosso sócio, e está com a gente até hoje (N.E.: Aluízer Malab)”, diz.
A preocupação de John mostra o quanto é complicado administrar uma carreira artística, ainda mais quando a opção, como no caso do Pato Fu, é a autogestão. As tarefas se avolumam e a correria é ainda maior. Por isso, é importante ter uma equipe muito bem afinada, tanto em cima quanto fora do palco, livre de estrelismos e vaidades. “A divisão de funções na banda é bem natural. É lógico que a Fernanda se destaca mais publicamente. Afinal, vocalistas sempre são também ‘relações públicas’”, afirma John. “Mas isso não significa que ela seja a ‘chefa’ internamente. De minha parte, além de guitarrista, faço a maior parte das composições e arranjos e por aí vai”, esclarece.
Fora do palco, o Pato Fu conta com o suporte de sua própria produtora, a Rotomusic, que, segundo John, é um pequeno escritório com cinco pessoas que cuidam de tudo relacionado à banda, e a equipe que viaja com a banda é formada por 12 pessoas.

Expectativas
No ano de 1996, as coisas começam a ficar realmente grandes para o Pato Fu. A banda é convidada para participar da edição daquele ano do Hollywood Rock, festival que reuniu estrelas internacionais da década de 70 (Robert Plant), de 80 (The Cure) e de 90 (Smashing Pumpkins). A partir da participação no evento, o Pato Fu passou a ter um baterista fixo com a entrada de Xande Tamietti.
Com a nova formação, a banda lança seu terceiro CD, Tem mas Acabou, que consolida o nome Pato Fu entre as preferências do público jovem, mas ainda sem o mesmo reflexo nas vendagens de discos. Isso estaria reservado para o disco seguinte, Televisão de Cachorro, quarto disco, lançado em 1998 e com o qual o Pato Fu ganhou sua cadeira cativa nas rádios de todo o país com hits como “Antes que seja tarde”, “Eu sei” e “Canção para viver mais”. “Existe mais cobrança, mas fizemos sucesso bem lentamente e isso acaba ajudando. Não é uma bomba que caiu na nossa cabeça, nem na dos outros”, conta Jonh, referindo-se ao que costuma acontecer com as bandas que passam a ser mais conhecidas, a tocar mais nas rádios e, principalmente, a vender mais discos.
E foi justamente isso o que ocorreu com o Pato Fu. As vendagens de Televisão de Cachorro deram ao grupo o primeiro disco de ouro. Sob esse aspecto é natural que as expectativas mercadológicas da gravadora ganhem novas curvas e aí é preciso um bom jogo de cintura para que o processo de criação não seja atropelado. Vale, nesse caso, a autonomia do artista como antídoto para o conflito entre o show e o business. No caso do Pato Fu, não há mistério. “A indústria entra na hora de vender o disco, nunca na criação. Sempre foi assim com a gente, e não adianta forçar que piora e acaba vendendo menos”, avisa o guitarrista. Essa postura, no entanto, não significa que a banda fique alheia a questões relativas ao business, que envolve a definição de estratégias e ações de lançamento de um novo trabalho. “Damos idéias de promoções, discutimos a quais programas queremos ir ou não, cobramos resultados”, explica John. “Mas vamos sempre até certo ponto, das idéias e conceitos. A operação desse marketing é coisa da indústria mesmo”.

Patofans
O sucesso do Pato Fu como um dos grandes nomes da música jovem no Brasil mobilizou uma legião de fãs por todo o país. A banda tem se mostrado extremamente acessível aos chamados “patofans”, numa relação que John resume em duas palavras: respeito e cordialidade. “É lógico que temos fãs que gostavam e não gostam mais, ou que não gostavam e gostam agora, mas isso é inerente a qualquer banda, não tem como evitar”, afirma, numa referência ao que costuma acontecer diante da evolução natural da banda. Uma boa mostra do interesse dos fãs pelo Pato Fu pode ser medida na internet. O site oficial da banda está entre os mais acessados entre os brasileiros. A média é de 4 mil acessos por semana – um resultado que justifica o cuidado da banda com o site, que é um dos cinco melhores na categoria “artistas/personalidades”. Além disso, com uma busca rápida, é possível localizar uma série de sites dedicados à banda, como o www.patofans.com.br, uma iniciativa de fãs que conta com o apoio irrestrito da banda.
Mesmo tendo um público fiel, a banda não se dá por satisfeita e agora, com os bons resultados obtidos com o CD Isopor, prepara vôos literalmente mais altos, como o lançamento do disco no exterior. Ainda assim, John reconhece que não é possível estabelecer um planejamento fixo quanto às ações da banda. “É muito difícil planejamento em nossa área. Planejamos dentro de uma margem de variáveis absurda”, confessa. “Sabemos que lançamos discos mais ou menos a cada ano e meio, que faremos shows, mas não sabemos se seremos sucesso, se teremos público, se tocaremos em rádio. Turnês, então, são complicadas, shows são fechados em cima da hora...”, frisa. Mas o guitarrista deixa escapar que o “sonho de consumo” da banda é poder, um dia, quem sabe, adotar o modelo utilizado pelos artistas europeus e americanos, que trabalham com turnês fechadas com mais de um ano de datas marcadas.
Mas enquanto o sonho não vira realidade, o Pato Fu segue seu caminho, driblando com desenvoltura as armadilhas que o show business brasileiro é capaz de reservar. Ainda mais no atual momento da música jovem brasileira, em que os grandes destaques vêm de Minas Gerais, como Skank, Jota Quest e o próprio Pato Fu. Seria muito para os marqueteiros das gravadoras “venderem” o sucesso dessas bandas como um novo “movimento”, a exemplo do que ocorre com o axé-music, o sertanejo ou o pagode, sem contar os chamados booms do rock brasileiro, como os ocorridos em Brasília, com a Legião Urbana, no Rio Grande do Sul ou mais recentemente em Recife, com o movimento Mangue Bit. “Realmente, fases vão e vêm. Mas no caso das bandas de Minas, temos a sorte de não sermos um ‘movimento mineiro’ ou algo assim; cada banda tem sua carreira bem independente”, explica John. “Por isso, se fizermos um disco ruim, isso não vai atrapalhar o Skank, por exemplo. Ou seja, acho que dependemos de nós mesmos, pois existem bandas mineiras fazendo sucesso e não bandas fazendo sucesso com um som mineiro”. Eh, trem bão!

(P.S.: Para saber mais sobre o Pato Fu, acesse o site www.patofu.com.br. Lá, você ficará sabendo, entre outras coisas, que a banda agora tem cinco integrantes e que abriu seu próprio selo, o Rotomusic, pelo qual lançou seu disco mais recente Toda cura para todo mal, com distribuição pela SonyBMG.)

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